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Dupes e propriedade intelectual: os limites entre inspiração e violação na era da concorrência criativa

  • Foto do escritor: Luiza Sperandio Adum Hemmig
    Luiza Sperandio Adum Hemmig
  • 2 de nov.
  • 4 min de leitura

A economia contemporânea é marcada por uma velocidade de inovação sem precedentes. Nesse contexto, a cultura digital e o consumo aspiracional deram origem a um fenômeno que vem ganhando destaque no mundo dos negócios: os chamados dupes. A palavra, derivada do inglês duplicate, tornou-se popular nas redes sociais para designar produtos inspirados em outros de maior valor agregado, oferecendo versões semelhantes por preços mais acessíveis. O conceito, aparentemente inofensivo, levanta uma questão essencial para as empresas: até que ponto a inspiração é legítima, e quando ela passa a representar uma violação dos direitos de propriedade intelectual?


O crescimento desse mercado é sintoma de uma nova mentalidade de consumo, em que o público busca alternativas mais acessíveis sem, necessariamente, pretender adquirir falsificações. Contudo, por trás dessa tendência existe um terreno jurídico sensível que exige atenção de empresários, gestores e equipes de marketing. Entender os limites legais entre inspiração, cópia e concorrência desleal é essencial para proteger a marca, o investimento em design e a reputação empresarial.


Entre a inspiração criativa e a infração jurídica


Os dupes se apresentam como versões “inspiradas” em produtos originais. Não se tratam, em regra, de falsificações flagrantes, pois não reproduzem a marca nem se apresentam como o produto autêntico. Entretanto, ao imitarem o design, as cores, o formato ou a comunicação visual, podem aproximar-se perigosamente da fronteira jurídica entre a inspiração legítima e a violação de direitos de propriedade intelectual.


A legislação brasileira oferece diversos instrumentos de proteção nesse campo. A Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998) tutela criações artísticas e obras intelectuais, enquanto a Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996) regula o registro e a defesa de marcas, patentes e desenhos industriais. Complementarmente, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Concorrência Desleal (artigo 195 da LPI) coíbem práticas que possam induzir o público a erro ou se aproveitar indevidamente da reputação de outrem.

 

Sob essa ótica, o uso de elementos visuais, nomes ou estilos que gerem confusão sobre a origem de um produto pode configurar concorrência desleal, mesmo que a marca registrada não tenha sido reproduzida. O chamado trade dress — o conjunto de características visuais que identifica um produto ou serviço — é cada vez mais reconhecido pelos tribunais como componente essencial da identidade empresarial. Assim, um dupe que explore o mesmo conceito estético de um produto famoso corre o risco de infringir direitos de design ou de induzir o consumidor a associar-se indevidamente à marca original.


Riscos empresariais e responsabilidades jurídicas


Do ponto de vista empresarial, o envolvimento com dupes pode gerar consequências severas. Além de ações judiciais e medidas liminares que determinem a retirada imediata de produtos do mercado, há impactos reputacionais que muitas vezes superam o prejuízo financeiro. Em um mercado cada vez mais guiado por valores éticos e sustentáveis, o público reage negativamente a práticas percebidas como imitação ou oportunismo comercial.


Empresas que distribuem ou comercializam produtos inspirados em outros devem adotar políticas de compliance e due diligence rigorosas. Isso inclui verificar o registro de marcas e desenhos industriais, documentar a autoria de projetos, avaliar semelhanças substanciais e, quando necessário, buscar licenciamento ou autorização do titular dos direitos. O investimento preventivo é sempre menor que o custo de uma disputa judicial. Além disso, é importante lembrar que o desconhecimento da lei não afasta a responsabilidade civil, administrativa ou até penal por eventual infração.


Outro aspecto sensível é o da cadeia de fornecimento. Fabricantes, importadores e revendedores podem ser responsabilizados solidariamente por violações de propriedade intelectual, caso se beneficie direta ou indiretamente do produto infrator. A boa-fé comercial, portanto, deve ser demonstrada de forma concreta, com registros documentais e políticas claras de conformidade.


Estratégia empresarial e inovação responsável


A questão dos dupes não deve ser analisada apenas como risco jurídico, mas também como oportunidade estratégica de inovação. O caminho mais seguro e sustentável para empresas que buscam competir em mercados dominados por grandes marcas é investir em diferenciação. Inspirar-se em tendências é parte natural da criação, mas transformar essa inspiração em identidade própria é o que garante longevidade e valor de marca.


A proteção da propriedade intelectual, quando bem compreendida, não é um obstáculo à criatividade, mas um instrumento de equilíbrio concorrencial. Empresas que registram suas marcas e designs fortalecem seu posicionamento e, ao mesmo tempo, contribuem para um mercado mais ético e transparente. O respeito às regras de PI cria um ciclo virtuoso: estimula a inovação, valoriza o investimento em pesquisa e desenvolvimento, e evita práticas predatórias que desvalorizam o esforço criativo de terceiros.


No cenário internacional, observa-se tendência semelhante. O aumento de litígios envolvendo look-alikes — produtos que se assemelham aos originais sem serem falsificações — levou tribunais europeus e norte-americanos a reforçarem a proteção contra o aproveitamento parasitário. No Brasil, a jurisprudência ainda é incipiente, mas há decisões reconhecendo a violação de trade dress e a concorrência desleal mesmo na ausência de marca registrada idêntica.


A importância da assessoria jurídica preventiva


A atuação preventiva é a principal ferramenta para evitar litígios e preservar a integridade da marca. Empresários e gestores devem incluir a análise de propriedade intelectual no planejamento estratégico de novos produtos, campanhas e parcerias. Consultar profissionais especializados antes de lançar um item inspirado em outro existente pode evitar anos de disputa judicial e danos à reputação corporativa.


O acompanhamento jurídico especializado permite identificar riscos, propor alternativas de design, elaborar contratos de licenciamento e orientar campanhas publicitárias para evitar comparações indevidas. Mais do que reagir a conflitos, a advocacia empresarial moderna atua de forma proativa, alinhando os interesses criativos e comerciais às exigências legais.


Em última análise, compreender e respeitar os limites da propriedade intelectual não é apenas uma obrigação jurídica, mas uma escolha estratégica. Em um mercado cada vez mais sensível à originalidade e à ética, empresas que tratam a inovação com responsabilidade constroem reputações sólidas e relações de confiança com consumidores e parceiros.


Conclusão


Os dupes simbolizam uma nova fronteira da economia criativa, em que o desejo de consumo e a busca por acessibilidade coexistem com a necessidade de proteger a autoria e a identidade empresarial. O equilíbrio entre inspiração e violação depende de prudência, transparência e governança jurídica. O papel do gestor é garantir que a inovação caminhe de mãos dadas com a legalidade.


Ao compreender a importância da propriedade intelectual, as empresas fortalecem não apenas seus ativos intangíveis, mas também sua credibilidade no mercado. A assessoria jurídica preventiva, nesse contexto, não é um custo, mas um investimento essencial para quem deseja competir de forma ética, sustentável e inovadora.

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