Assédio sexual no ambiente de trabalho: riscos, responsabilidades e prevenção para empresas
- Julia Tosi

- 30 de set.
- 6 min de leitura
O assédio sexual como questão empresarial estratégica
Em sociedades e ambientes corporativos onde a cultura organizacional valoriza o respeito e a dignidade humana, o assédio sexual no local de trabalho configura não apenas uma afronta aos direitos da pessoa, mas também um risco reputacional, financeiro e de litígios para a empresa. Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região confirmou uma condenação de R$ 5 mil por danos morais contra uma empresa de telemarketing em favor de uma atendente que alegou ter sofrido assédio por parte do seu supervisor, com contato físico inapropriado e comentários eróticos.
Este caso ilustra a relevância de as empresas adotarem políticas rígidas de prevenção, mecanismos efetivos de apuração e cultura de tolerância zero.
Para gestores e empresários, conhecer não apenas o risco jurídico, mas também as práticas eficazes de governança interna nesse tema, é imperativo. Este artigo analisa os fundamentos legais, os impactos práticos e oferece orientações para uma estratégia preventiva, com foco numa leitura clara, sem jargões excessivos, adequada ao público gestor.
Fundamentos jurídicos do dever empresarial
Responsabilidade objetiva da empresa pela conduta de seus agentes
No direito do trabalho, a empresa responde objetivamente pelos atos praticados por seus prepostos e superiores hierárquicos quando estes lesionam direitos da trabalhadora ou trabalhador. Isso significa que, mesmo que a empresa não tenha dirigido pessoalmente o ato assediante, pode ser responsabilizada pela omissão ou pela falha no controle. A jurisprudência consolidada e decisões como a do TRT da 3ª Região reconhecem esse dever de cuidado.
Dano moral, gravidade e critérios de fixação
A indenização por dano moral tem função compensatória e pedagógica. No caso julgado, o juiz de primeiro grau considerou aspectos como a gravidade do ato, a violação à honra, intimidade e a vulnerabilidade da vítima, e fixou valor de R$ 5 mil. A instância revisora manteve esse valor, sinalizando que não identificou desequilíbrio ou excesso à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
O fato de não existirem registros formais ou denúncias prévias não descaracteriza o assédio, porque esse tipo de prática costuma ocorrer “veladamente”, gerando constrangimento à vítima em procurar canais internos — especialmente quando há medo de retaliação ou de perder o emprego. No caso, a magistrada ressaltou que a empresa não pode transferir à vítima a responsabilidade por apontar falhas na gestão interna.
Dever de proteção da integridade física e moral
A Constituição Federal assegura os direitos à dignidade, à honra e à intimidade, e na esfera trabalhista o empregador tem o dever de zelar pela integridade física e psicológica dos empregados, adotando medidas preventivas e atuando de forma diligente. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ao tratar dos deveres do empregador, e a jurisprudência têm interpretado esse dever como abrangente das práticas de assédio.
Além disso, a Lei nº 9.029/95, que veda qualquer prática discriminatória, pode ser invocada em casos de assédio que se baseiem em gênero, orientação sexual ou condição de vulnerabilidade. A Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) reforçou a necessidade de ambientes de trabalho respeitosos, permitindo que cláusulas contratuais ou políticas internas prevejam canais de denúncia e proteção.
Implicações práticas para empresas e gestores
Riscos financeiros e de reputação
Além da condenação por danos morais, a empresa pode enfrentar pagamento de honorários advocatícios, custas processuais, multas administrativas e eventual indenização suplementar conforme a gravidade e repercussão do caso. O desgaste institucional é contundente: uma denúncia pública de assédio compromete a imagem da marca, afeta o engajamento dos colaboradores e pode gerar pressão de stakeholders, consumidores e mídia.
Clima interno, produtividade e rotatividade
Ambientes organizacionais em que persistem práticas de assédio geram insegurança, queda de motivação e absenteísmo. Funcionários e funcionárias têm menor comprometimento e maior tendência à desligamentos. Isso implica custo indireto elevado para a empresa, ainda que menos visível inicialmente do que o risco jurídico.
Dificuldade de prova e ônus da empresa
Frequentemente, as práticas de assédio ocorrem em espaços informais e sem testemunhas, dificultando a produção de provas. Nesse contexto, o empregador que não instituiu canais eficazes de denúncia, protocolos de investigação e preservação de evidências (relatórios, gravações, registros internos) está numa posição de fragilidade jurídica. Reconhecer esse risco é essencial para estruturar medidas internas que facilitem a apuração justa.
Necessidade de canal seguro e processo investigativo imparcial
Para mitigar riscos e demonstrar a diligência corporativa, a empresa deve instituir canais de denúncia confiáveis (pid – programa interno de denúncias ou ouvidoria), prever apuração sigilosa, prazo razoável para investigação e salvaguardar a integridade da vítima e dos investigados. É recomendável que essas apurações contem com instâncias imparciais ou até apoio externo quando necessário.
Boas práticas preventivas no ambiente corporativo
A cultura empresarial desempenha papel central. O simples “cumprimento formal” de normas não basta: é preciso que líderes, gestores e todos os níveis hierárquicos internalizem tolerância zero ao assédio. Algumas ações práticas:
elaborar uma política de prevenção ao assédio sexual clara, divulgada e atualizada (código de conduta interno);
treinar gestores e equipes sobre comportamento adequado, reconhecimento de sinais de assédio e compromisso de cada um com o respeito mútuo;
promover campanhas internas para conscientizar toda a empresa, ressaltando canais de denúncia e garantia de proteção contra retaliação;
instituir processo investigativo estruturado, com equipes treinadas e prazos definidos, preferencialmente com respaldo de assessor externo quando o caso exigir;
preservar evidências (e-mails, mensagens, gravações, documentos) e adotar medidas de afastamento cautelar enquanto a investigação ocorre;
estipular medidas disciplinares claras para infratores, proporcional à gravidade da conduta, sempre com observância do princípio do contraditório e da ampla defesa.
Essas práticas não apenas reduzem o risco litigioso, mas também fortalecem a cultura ética da empresa e transmitem aos colaboradores sensação de segurança e justiça.
Estudo de caso: o julgamento do TRT da 3ª Região e lições para a empresa
No caso recentemente julgado e amplamente divulgado, a 6ª Turma do TRT-3 confirmou sentença que condenou empresa de telemarketing ao pagamento de R$ 5 mil por danos morais a atendente que alegou ter sido assediada por seu superior, com contatos físicos indevidos e comentários de cunho erótico.
Em instância inferior, já havia sido reconhecido que o fato de não haver registro formal não afasta a ocorrência do assédio, considerando-se o temor da vítima em se manifestar.
Essa decisão reforça diversos pontos úteis para o gestor: primeiro, que o Tribunal trabalhista aceita a ideia de que o assédio muitas vezes se dá de modo reservado e que a vítima pode se sentir intimidada para formalizar denúncia; segundo, que o valor de indenização pode responder tanto ao grau da ofensa quanto à função pedagógica e ao caráter preventivo; terceiro, que a empresa não pode delegar à vítima a obrigação de detectar ou denunciar falhas na estrutura interna de governança.
Empresas que mantêm ausência de política interna, canais de denúncia ou práticas informais de resolução estão mais vulneráveis à responsabilização, mesmo em casos em que consideram não haver prova suficiente.
Quando buscar assessoria jurídica especializada
Embora muitas empresas disponham de departamentos jurídicos internos, casos envolvendo assédio sexual demandam perspectiva especializada e independente: para analisar risco, estruturar apuração imparcial, conduzir mediações ou litígios e orientar sobre modelos de documentos (políticas internas, regulamentos, contratos). Em especial, se houver indícios iniciais de prática abusiva ou denúncia formal, vale consultar uma assessoria jurídica trabalhista especializada com experiência em compliance e gestão de riscos.
Uma consultoria preventiva pode revisar códigos internos, treinar equipes, adaptar procedimentos e reduzir de modo estrutural o risco de condenações ou crises jurídicas. Vale considerar contratar auditorias internas periódicas e manter atualizados os procedimentos conforme a jurisprudência e as melhores práticas nacionais e internacionais.
Proteger pessoas é proteger a empresa
Empresários e gestores devem enxergar o enfrentamento ao assédio sexual não como custo ou formalismo, mas como elemento constitutivo de uma governança responsável e sustentável. A decisão recente do TRT da 3ª Região reforça que a Justiça do Trabalho responsabiliza as empresas não apenas pelos atos, mas pela omissão em estruturar ambiente seguro.
A adoção de políticas claras, canais seguros, investigação rigorosa e cultura de tolerância zero reduz substancialmente os riscos de litígios, preserva a reputação e fortalece o engajamento. Se sua empresa busca um suporte jurídico para desenhar essas iniciativas, revisar políticas ou responder a denúncias, contar com assessoria especializada é o passo prudente para agir com segurança e conformidade.





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