Despesas condominiais vs. alienação fiduciária: riscos e consequências para o mercado imobiliário e empresarial
- Luiza Sperandio Adum Hemmig

- há 4 dias
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No ambiente empresarial e imobiliário, a garantia de crédito hipotecário ou de financiamento habitacional frequentemente se baseia na figura da alienação fiduciária. Esse instrumento, disciplinado pela Lei 9.514/1997 e pelo Código Civil, estabelece que o imóvel — embora alienado em garantia — permanece, em regra, sob a posse direta do devedor fiduciante até eventual inadimplemento. Recentemente, contudo, uma controvérsia jurídica gerou insegurança no mercado: poderá o imóvel gravado por alienação fiduciária estar sujeito à penhora para satisfazer dívidas condominiais pelo devedor fiduciante?
O julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o Tema 1.266, pretende dirimir essa dúvida. Considerando o impacto dessa decisão sobre crédito imobiliário, incorporadoras, instituições financeiras e condomínios, torna-se essencial compreender os aspectos legais, as consequências práticas e os riscos envolvidos no novo contexto.
A alienação fiduciária, como marco essencial para o financiamento imobiliário no Brasil, tem desempenhado papel central no estímulo ao crédito habitacional e no desenvolvimento do mercado imobiliário ao longo das últimas décadas. Com a garantia fiduciária, o credor adquiriu a propriedade resolúvel do imóvel, conferindo segurança jurídica para o financiamento e agilidade para eventual execução da garantia, sem os entraves da hipoteca convencional.
Pela redação do art. 27, § 8º da Lei 9.514/1997, somada ao art. 1.368-B do Código Civil, até a consolidação da propriedade e a imissão na posse do credor fiduciário, o devedor fiduciante permanece responsável pelos encargos sobre o imóvel, incluindo impostos, taxas e despesas condominiais. Nesse cenário, a jurisprudência tradicional do STJ admitia que, em caso de inadimplemento dessas obrigações, caberia apenas a penhora dos direitos aquisitivos do devedor — não do imóvel em si — por não integrar o seu patrimônio.
Todavia, a inadimplência de despesas condominiais tem crescido nos últimos anos, particularmente em razão do aumento de juros e da desvalorização da multa condominial como desincentivo efetivo. Esse movimento elevou a pressão sobre condomínios, que passaram a buscar meios mais eficazes de cobrança, inclusive mirando o próprio imóvel dado em garantia. Foi nesse contexto que o STJ, por meio da 4ª Turma, no julgamento do REsp 2059278/SC, admitiu a penhora do imóvel alienado fiduciariamente para quitação de dívida condominial.
A decisão quebra entendimento consolidado pela 3ª Turma, que considerava que a alienação fiduciária excluía o imóvel da lista de bens penhoráveis em execução condominial, admitindo apenas a penhora do direito real de aquisição do fiduciante. A divergência entre os julgamentos introduz expressiva insegurança jurídica. As implicações são relevantes e múltiplas.
Primeiramente, há risco concreto de fragilização da própria garantia fiduciária, que constitui o lastro do crédito imobiliário. Caso a penhora do imóvel vire prática frequente, o crédito torna-se mais oneroso e menos atraente para credores e investidores. O custo de captação tende a subir e o spread bancário pode aumentar.
Além disso, a insegurança no tratamento da alienação fiduciária pode desestimular novas operações de crédito imobiliário, afetando diretamente incorporadoras, construtoras e empresas do setor imobiliário — sobretudo aquelas que dependem de fluxo de crédito para financiar obras e empreendimentos. A consequência pode ser retração no mercado, aumento do custo do crédito e, em última análise, redução na oferta de imóveis.
Do ponto de vista dos condomínios, embora a possibilidade de penhora represente uma alternativa para reaver créditos de condôminos inadimplentes, ela também traz consequências sistêmicas negativas. A adoção recorrente dessa medida poderá fomentar novos defaults, caso os condôminos percebam que a inadimplência não acarreta sanção efetiva. Ademais, a penhora de imóveis fiadores pode gerar disputas judiciais complexas, demoras e incertezas para quitação do débito condominial — o que não garante a liquidez necessária para a manutenção dos serviços comuns do condomínio.
Do ponto de vista jurídico, embora a obrigação condominial se caracterize por sua natureza propter rem — isto é, vinculada ao imóvel independentemente de quem seja o proprietário —, o ordenamento legal da alienação fiduciária expressamente estabeleceu distinção para o caso de imóvel dado em garantia: a responsabilidade permanece do fiduciante enquanto este estiver na posse direta, e não alcança o credor fiduciário. A mudança de entendimento jurisprudencial, portanto, contraria a disciplina legal e desestrutura a segurança jurídica do sistema.
Por outro lado, parte da jurisprudência justifica a penhora com base na natureza essencial das despesas condominiais para a manutenção da segurança, limpeza e serviços comuns — de modo a evitar que o ônus recaia sobre demais condôminos. Trata-se de argumento de justiça coletiva, mas que ignora os efeitos sistêmicos para o mercado de crédito imobiliário, além do desequilíbrio que pode causar na precificação dos contratos vigentes.
A definição do Tema 1.266 pelo STJ terá impacto profundo e duradouro sobre o mercado imobiliário, o sistema de financiamento e a dinâmica dos condomínios. A incerteza gerada pelos entendimentos divergentes compromete não só a segurança dos contratos de alienação fiduciária, mas também a previsibilidade para instituições financeiras, incorporadoras e investidores.
Para empresários, gestores imobiliários, incorporadoras e fundos de investimento, é prudente adotar postura preventiva. Recomenda-se que, antes de firmar contratos de financiamento com garantia fiduciária, avaliem cuidadosamente os riscos relacionados à penhorabilidade do bem em caso de inadimplência condominial, bem como a eventual necessidade de cláusulas adicionais ou garantias complementares que preservem o crédito.
Para condomínios, embora a execução contra imóvel em alienação fiduciária possa parecer solução atraente para recuperação de dívidas, é importante ponderar os custos, a viabilidade e os riscos de judicialização. O uso de instrumentos alternativos — como penhora de direitos aquisitivos, compensação de receitas condominiais, ou título executivo extrajudicial — pode revelar-se menos prejudicial ao sistema como um todo, sem comprometer a garantia fiduciária.
Em face da complexidade e das consequências práticas desse tema, é recomendável buscar assessoria jurídica especializada. A atuação preventiva e estratégica pode evitar litígios, proteger os interesses das partes e garantir a estabilidade das operações de crédito imobiliário.


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